terça-feira, setembro 05, 2006

O vergonhoso caso Mateus

Desculpem me os queridos leitores (xxxiiii, ate parece que tenho muitos), de tar a falar nesta "porcaria", mas vou apenas transcrever aqui alguns pensamentos:

O Gil Vicente Futebol Clube encontra-se muito bem assessorado na sua persistente e talvez suicida demanda no chamado caso Mateus. Esses apoios e aparente solidez das suas argumentações poderão levar os sócios e simpatizantes do Gil a imaginarem que têm a razão do seu lado mas o mundo inteiro contra si. Mas tentemos ver o assunto com calma e à distância, tentando ver o essencial no meio desta floresta das ambiguidades juridicas, num ponto de vista ético desportivo. Ou por acaso o Gil Vicente Futebol Clube é uma sociedade de advogados ou um forum de consultores juridicos? Ou uma empresa em letígio com o estado? Que eu saiba, é um clube desportivo, com a finalidade de.... praticar... Desporto! E como a finalidade é praticar desporto, entramos todos em competições segundo as respectivas regras que foram aceites de acordo com o comportamento de cavalheiros, que mesmo de forma longiqua, deve estar presente em todas as competições e todo o comportamento dos praticantes desportivos. Ou o Gil Vicente está no desporto para mudar regras por via judicial que previamente aceitou, e não para nele competir? De nada lhe servirá ver um tribunal qualquer dia dar-lhe razão, se essa vitória extrafutebol o desacreditar perante todo o país desportivo eo tornar num clube indesejado entre os seus pares.

O Gil Vicente é acusado de duas coisas, cuja validade contesta:

- increver um jogador como profissional, quando, de acordo com o regulamento em vigor, não tinha ainda decorrido um ano sobre a sua inscrição como amador, só então podendo passar a profissional e jogar na Liga Bwin;

- ter apelado da decisão federativa que lhe negou a inscrição para os tribunais comuns, voltando a fazê-lo quando nova decisão o relegou para a Liga de Honra.

Relativamente à primeira acusação, diz o Gil Vicente que se trata de uma norma que limita a liberdade de trabalho. E aí penso que não tem o minimo de razão, seja ela jurídica ou moral! Não é uma regra que limita a liberdade de trabalho, é apenas uma regra que estabele uma das condições para se ser praticante federado de futebol profissional. Existem regras semelhantes em todos os desportos e para profissionais! Ninguém pode, invocando a liberdade de trabalho, querer entrar no America´s Cup sem ter a carta de patrão de alto-mar e licença de competição em alto-mar, e ninguém pode correr na Fórmula 1 sem ter a Super Licença Desportiva.

Mas é do ponto de vista ético que o comportamento da direcção do Gil Vicente é ainda mais reprovável. O clube contratou um jogador que sabia não poder ser inscrito desde logo como profissional. A direcção do Gil não ignorava o regulamento, aprovado pela Liga de Clubes, de que faz parte, e que se integra num conjunto de regras essênciais para que haja competição em igualdade de circunstâncias, regras essas por todos assumidas voluntariamente. Em sede propria, penso que seja a assembleia geral da liga de clubes, se poderá discutir se a regra é justa e se deve ou não manter-se. O que não se pode fazer é o que o Gil Vicente fez: sem nunca ter posto em causa tal regra na Liga, resolveu atacá-la quando lhe deu jeito, recorrendo para tal aos tribunais comuns, com isso visando ter um tratamento de excepção em relação a todos os outros clubes. E para mais, fê-lo através de uma batota que em nada o dignifica, que foi de fingir que tinha sido o jogador e não o clube a recorrer ao tribunal, para defender a sua liberdade de trabalho. Por mais de outros pareceres jurídicos que consiga arranjar a seu favor, nenhum conseguirá o milagre de lhe salvar a face em tal comportamento.

A segunda acusação que pende sobre o Gil Vicente é a mais controversa: a da impossibilidade de recurso à justiça comum. Sobre isto o Gil Vicente defende-se de duas formas. Por um lado, dizendo que não se trata de matéria estritamente desportiva, mas sim laboral: já todos vimos que não o é, salvo melhor opinião. Por outro lado contestando o princípio em si mesmo da proibição de recurso à justiça comum em matérias do âmbito desportivo. Aqui certamente que alguns dos seus defensores já esfregam as mãos de contente na perspectiva de um novo caso Bosman que volte a abalar o princípio da auto-replicação das entidades que gerem o futebol mundial. E é aqui que a FIFA se mete ao barulho ameaçando com a suspensão das representações portuguesas nas competições internacionais, castigo esse que acho totalmente absurdo e injustificado! Penso que a submissão do poder desportivo ao direito seria uma má notícia e não uma boa. Uma coisa é garantir que o futebol vive dentro de uma legalidade empresarial, fiscal, administrativa, etc. Outra coisa é impor que aquilo que apenas diz respeito ao futebol, como as suas regras de organização e competição, passe a estar sujeito ao crivo da justiça. Porque a competição desportiva é uma associação voluntária de equipas, países ou praticantes, que escolhem e têm direito de escolher as próprias regras com que querem competir, sem que venham os juristas dizer que isso é legal, incostitucional ou contrario ao direito comunitário. Depois, porque, apesar de tudo, o futebol, nomeadamente, funciona muito melhor do que a justiça e não pode, sob pena de morrer rapidamente, ficar sujeito a prazos, formalismos e ambiguidades da justiça comum. Já nos basta isso como cidadãos deste país! Alias, uma das coisas que funciona mal no nosso futebol é a imcompetência funcional dos juízes que habitam na justiça desportiva. E a esses guardiães do templo juridico convém recordar que o tão louvado caso Bosman, onde a UE triunfou sobre a UEFA, não melhorou o futebol. Piorou-o: permitindo a utilização sem limite de jogadores comunitários e aparentados por qualquer equioa, veio, obviamente, favorerecer os cluber ricos dos países ricos, com isso distorcendo a concorrência e falseando a competição. E isso é algo que eu escrevi aquando desta decisão, numa composição e apresentação oral que tive de fazer para uma aula de alemão.

Espero que o nosso futebol português sobreviva a quem quer ser melhor que os outros fazendo simplesmente batota!